Uma Introdução à História da Astrologia Védica

Uma Introdução à História da Astrologia Védica

Quando as pessoas me perguntam o que é astrologia, a resposta parece um pouco redundante: é o estudo dos astros. Nós consideramos astros os planetas, as estrelas, os satélites, nódulos lunares e asteroides. Algumas astrologias irão priorizar a lua, que é um satélite. Outras astrologias irão priorizar o estudo das estrelas. A astrologia é um conhecimento tradicional muito presente em culturas antigas, como a cultura suméria, a cultura inca, a maia, a indiana e a cultura grega, para citar alguns exemplos. Quando a gente fala de astrologia no mundo ocidental, a gente está falando, normalmente, daquela que a gente herdou da Grécia. Como conhecimento tradicional, a astrologia surge a partir da observação do espaço celestial. Observação constante, numa época em que não existia a linguagem escrita. O céu era observado, as luzes eram observadas e eram observadas as relações entre as posições dessas luzes e os acontecimentos na Terra. Numa era onde não existia a palavra escrita, era necessário passar este acúmulo de conhecimento adiante, correto? A oralidade aparece como forma fundamental de transmissão de conhecimento e como base cultural de todas as tradições antigas. Percebemos, ainda hoje, como a oralidade está presente nas culturas de matriz afro-brasileira. Eles primam pela oralidade como valor cultural. Então, lá atrás, o conhecimento astrológico que visava, por exemplo, estabelecer ciclos de colheitas ( astrologia eletiva ) baseava-se na observação das relações entre os eventos celestes e terrenos e na criação de símbolos ou mitos cuja função era, via oralidade, passar adiante todo o conhecimento acumulado pela observação. Os mitos poderiam representar exatamente quais as estações do ano, quais os deuses ou luzes que melhor indicariam uma pesca mais abundante, mais efetiva, mais rica, por exemplo. 

Qual a diferença entre Astrologia Ocidental e Astrologia Védica? A astrologia cumpria na época da civilização dravídica ( cultura autóctone indiana ) a mesma função que a astrologia eletiva cumpriu nas outras civilizações que eu já citei. Um fenômeno interessante aconteceu a 4000 anos atrás quando a Índia foi invadida, pelo norte, por uma outra cultura, a cultura dos árias. Os árias dominaram e controlaram o povo dravidiano, ao mesmo tempo que trouxeram uma riqueza tecnológica que não existia ainda naquele período da tradição indiana. Estes árias deram origem a uma tradição escrita e nela codificaram as políticas, a economia, as práticas religiosas, as regras morais e éticas, as práticas médicas e o conhecimento da natureza. Este conjunto de codificações foi chamado de Vedas. A partir daí a gente passa a entender uma Índia como uma Índia védica. A cultura nativa foi empurrada para o sul da Índia, e, ainda hoje, ao sul, encontramos suas manifestações no culto das deusas serpentes, por exemlo. O vedanta é mais popularmente conhecido por ter sido o criador do sistema de castas. A organização da sociedade humana pelo sistema de castas é entendida como reflexo de uma cosmovisão, portanto fazendo parte do sistema divino e astrológico. Você vai ter uma classificação de forças astrológicas que irão dividir-se entre forças divinas, humanas e forças demoníacas. A Astrologia Védica é composta por nove astros, onde dois são nodos lunares. Na Astrologia Ocidental trabalhamos com um número maior de astros, levando em consideração Urano, Netuno e Plutão, além de alguns asteroides. Em ambas temos doze casas astrológicas e doze signos astrológicos com suas nomenclaturas adaptadas às suas origens. Na védica, trabalhamos com o sistema de nakshatras, que são vinte e sete, também chamados de mansões lunares ou estrelas de nascimento.
Mudam os nomes dos signos e os nomes dos planetas, mas basicamente seus significados nas duas abordagens são os mesmos. O sistema de cálculo dos mapas é diferente, o que resulta numa diferença de posições gerais quando desenhados. No Mapa Astral Védico, o céu astrológico corresponde ao céu astronômico. Esta pequena introdução reduz enormemente a complexidade e vastidão dos conhecimentos e recursos presentes nos dois sistemas.

Existem controvérsias sobre as relações de origem das astrologias grega e indiana. Alguns autores afirmam que os indianos aprenderam com os gregos, mas a maior parte dos autores, e eu concordo com eles, afirma o contrário. Eles apontam que os gregos passam a conhecer astrologia quando eles se dirigem para o oriente, principalmente quando fazem contato com a Índia e com o oriente médio. Existe dentro da própria tradição mitológica grega um mito que pode esclarecer isso. O mito do centauro Quíron, considerado o grande mestre dos heróis gregos. Sendo um Centauro, possui metade do corpo de um homem e metade do corpo de um cavalo.  Os gregos, antes do contato com o mundo oriental, não conheciam cavalos. Podemos imaginar a surpresa diante dos cavaleiros daquela região oriental, dos hunos guerreiros, que também se guiavam pelo céu e pelas estrelas… Quíron, na mitologia grega, também era considerado o pai da astrologia! Entendo que o contato com os cavalos está diretamente relacionado com o nascimento da astrologia para a cultura grega. É a lógica do mito de Quíron. 

A astrologia eletiva relaciona a observação do céu e sua simbologia com os fenômenos da natureza e da coletividade humana, como um estudo de marés se relaciona com os fluxos da Lua. A astrologia individualizada que vai nascer dentro e a partir do vedanta, propõe uma outra coisa, um processo de autoconhecimento através desses mitos e dessas histórias que foram construídas a partir da observação desses pontos luminosos do céu. Cada ponto luminoso é um astro, uma força divina, um arquétipo com suas potencialidades descritas em mitos. O céu como espelho do microcosmo humano. O satélite lunar é Chandra, o planeta Saturno é Shani. Chandra tem as suas estórias. Revela-se a natureza do arquétipo Chandra por via deste aglomerado de estórias, de mitos, que foi sendo criado ao longo do tempo para uma coletividade. Uma visão de um céu que está presente para uma coletividade. Este céu da coletividade vai ser transformado, com o passar do tempo, em um céu que também serve de referência para a individualidade, para o autoconhecimento.

Algumas pessoas acreditam na ideia de influência dos astros. Que determinadas posições celestiais irão influenciar eventos na Terra e nas pessoas. Esta ideia é válida quando pensamos na relação entre a Terra e a Lua, suas forças gravitacionais e o fluxo das marés. Como pensar em influência quando levamos em conta um planeta tão distante da Terra como no caso de Saturno? Simbolicamente podemos pensar numa relação de correspondência. Ou, de forma mais sutil, numa relação de sincronia. O que está acontecendo no macrocosmo também está acontecendo no microcosmo, o que está acontecendo dentro de você está acontecendo no céu. Usamos o céu para conseguir entender, através da leitura simbólica, o que está se passando dentro de você.

Estamos falando de uma leitura muito mais universalista e sistêmica, distante do materialismo que separa o observador do observado. Tudo está unido. A vantagem de você poder olhar para o céu e conhecer as dinâmicas simbólicas dos planetas é poder, por cálculo e interpretação, antecipar e entender o que que virá a se passar na sua vida.

A astrologia é um instrumento do Universo para que possamos antecipar eventos internos e externos, encontrando caminhos para trilhar essa vida da melhor forma possível. Um mapa bem lido é como olhar num espelho limpo. O olhar é uma luz, um insight. A transformação real vai depender do empenho da pessoa no seu próprio processo de crescimento, em como será aproveitado este “olhar”. Como a pessoa irá colocar na ação as orientações recebidas na leitura do mapa.

Como é esta estória de um Saturno causador de prejuízos, dá para falar mais sobre este tema? Sim, Saturno é um planeta muito mal compreendido. Em ambas as astrologias você encontrará textos antigos com descrições de Saturno muito pesadas. Cobrador de Karmas, planeta que faz tudo ficar mais lento e difícil… é aí que eu chamo atenção para o conhecimento dos mitos, além dos textos tradicionais. Eu vou citar dois mitos de Saturno para que possamos compreender a importância desse planeta: o primeiro mito conta que Saturno, filho do Sol, era, desde criança, um grande devoto do senhor Krishna. Ele se dedicava totalmente a devoção e ao deleite do êxtase. Saturno casa-se mas mantem sua prática devocional, negligenciando os pedidos de atenção de sua esposa. Certo dia, cansada do abandono e enfurecida, a esposa lançou uma maldição sobre Saturno: a partir daquele momento o olhar de Saturno seria fonte de infelicidade e miséria para todos a quem ele dirigisse o olhar diretamente. Ao retornar do êxtase, Saturno tomou consciência do acontecido. Alarmado, voltou-se para a esposa e tentou explicar que a devoção ao sagrado é a forma mais elevada de adoração. A esposa compreendeu, mas a maldição já havia sido lançada e não podia ser desfeita…ele recebeu a maldição porque ela, sendo sua esposa também era uma manifestação do sagrado! Saturno prometeu, assim mesmo, que a partir daquele momento ele sempre andaria olhando para Terra, olhando para baixo para não infringir nenhum mal a nenhum ser. Vamos tentar interpretar, criar hipóteses de interpretação. Por que que um ser tão devoto, tão dedicado, sofreu tamanha maldição e passou a carregar uma punição onde ele só poderia olhar para o chão, porque o seu olhar causaria mal a outros? 

Vemos, neste primeiro mito, a criação de uma situação extrema, na qual Saturno dedica-se total e absolutamente ao transcendental, estando ele casado, ou seja, sendo compromissado com uma esposa ( que é uma representante da Terra ). Sendo incapaz de corresponder às necessidades materiais, às necessidades da terra, o excesso de transcendência atraiu para ele uma maldição, fazendo-o infeliz e uma fonte de infelicidade para outros. Existe aqui uma lição a ser aprendida com essa Mitologia e essa lição é completada com o segundo mito. Conta, este segundo, que Saturno foi aprisionado por um demônio chamado Ravana, grande inimigo do Senhor Rama. O demônio raptou a esposa de Rama, Sita, e também aprisionou Saturno para que pudesse adquirir com Saturno a habilidade de destruir com o olhar. Sabemos que Lanka era a cidade estado centro do demoníaco império de Ravana, onde ele aprisionou Sita e Saturno. Lanka foi destruída pelo maior devoto do Senhor Rama ( encarnação do Deus Vishnu ), o Senhor Hanuman, o Deus macaco. Hanuman usando a ponta de sua cauda em chamas, incendiou toda a cidade, libertou Sita e descobriu Saturno preso no calabouço do castelo de Ravana.  O Deus macaco também libertou Saturno olhando-o nos olhos, mas nenhum mal aconteceu a Hanuman. Saturno abençoou o herói dizendo: “aqueles que forem seus iguais ou seus devotos nunca sofrerão com o meu olhar”. Interessante não? No primeiro mito você vê Saturno envolvido numa dedicação absoluta a Deus, mas esta dedicação o afastou dos compromissos assumidos com o plano terreno, material, com o mundo da ação. Hanuman é considerado o maior servo de Deus, mas ele não é um servo estático. Ele é um servo na ação, na prática, na luta. Ele é um herói, porque é um forte altruísta e ativo. A combinação dessas duas mitologias nos mostra como lidar com Saturno. Saturno não é negativo. Ele é um arquétipo, uma força planetária que nos ensina sobre a necessidade de equilíbrio entre as forças espirituais e materiais.

O heroísmo a serviço da devoção cria ações altruístas. Este é o Dharma que nos protege e que tem tudo a ver com o desapego. Amor, devoção, ação e desapego! Saturno desbasta todas as nossas arestas, removendo aquilo que é supérfluo, acessório, para que fique só o que é essencial. O essencial é o Amor colocado na ação através da Compaixão junto com a Gratidão. Quando você lê Saturno no mapa, você tem que observar exatamente isso. Em que posição ele está? Nessa posição ele vai chamar você para ter tipo de reflexão. Qual é o remédio que você utiliza quando esse Saturno está provocando mal-estar? Provavelmente você não está compreendendo a função dele naquela posição. Seu autoconhecimento ainda não é suficiente. Existe mau Karma lá. Os eventos aparentemente negativos estão tentando colocar você no caminho correto, ou seja, no caminho do heroísmo, do serviço altruísta, do equilíbrio entre a entrega espiritual e as responsabilidades do plano material. 

Busquem caminhos para a Felicidade entendendo que Amor, Compaixão e Gratidão são as bases fundamentais para que a gente ente em sintonia com o nosso Ser Verdadeiro, que habita em nós e sabe de tudo que a gente precisa. Vamos abrir essa janelinha para dentro e deixar esse Ser nos dizer aquilo que precisa ser redescoberto. Assim poderemos usar nossa mente criativa e foco na direção do encontro da Felicidade.

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